A caixa de pandora do STF

Jair Bolsonaro costuma se gabar da ascendência que ele tem sobre 20% do Supremo Tribunal Federal e atribui parte da importância das eleições ao poder do próximo presidente de indicar mais dois nomes à Corte e, como consequência, influenciar na reformulação do perfil do plenário. A dobradinha entre Kassio Nunes e André Mendonça para salvar o mandato de um parlamentar bolsonarista explica o interesse do capitão e reflete resultados do avanço do aparelhamento do Tribunal pelo Planalto.

Com a atual formação, o politizado e conflituoso Supremo divide-se em três núcleos majoritários. Um deles, por óbvio, é formado pela afinada dupla bolsonarista. Os dois evidenciaram o alinhamento ao manobrarem para evitar uma derrota acachapante do bolsonarismo na Corte após Kassio, em uma canetada, derrubar a cassação de Felipe Francischini, condenado pelo TSE pela propagação de notícias falsas sobre as urnas eletrônicas, e devolver-lhe o mandato.

O presidente da corte, Luiz Fux, chegou a submeter ao plenário um mandado de segurança, relatado por Cármen Lúcia, contra a decisão do ministro bolsonarista. Em paralelo, Kassio incluiu na pauta da Segunda Turma o processo no qual havia despachado. Para driblar Fux, Mendonça pediu vista da ação que seria analisada pelo colegiado de 11 magistrados e, assim, suspendeu o julgamento. Com a investida, a Turma acabou se debruçando sobre o caso e, pelo apertado placar de 3 votos a 2, restabeleceu a cassação de Francischini.

O movimento coordenado não surpreendeu os ministros. O julgamento era um tema caro a Bolsonaro, investigado justamente pela difusão de fake news sobre o processo eleitoral. “Era consenso que Kassio ou Mendonça agiriam. Por isso, chegou a ser aventado que Cármen poderia, em outra liminar, reafirmar a cassação de Francischini”, comenta um interlocutor da cúpula do STF.

Subserviência

As expectativas são justificadas pelo histórico de subserviência da dupla ao Planalto. Kassio, por exemplo, foi o único a se posicionar contra a condenação de Daniel Silveira e provocou polêmica na corte em decisões monocráticas, como a que liberou missas e cultos no auge da pandemia. Já Mendonça manifesta-se de forma dúbia. Por vezes, atende ao Planalto, como quando derrubou a decisão do Confaz que definiu as alíquotas de ICMS sobre o diesel, mas decepciona em outras, a exemplo do momento em que defendeu que Silveira fosse sentenciado.

Garantista, o trio integrado por Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski atua de forma independente. Os dois primeiros, no entanto, mantêm linha aberta com Bolsonaro. Apesar da ligação com Lula, Toffoli, que atuou como advogado-geral da União na gestão do petista e chegou a defender o PT em processos, é o que melhor transita no Planalto. Não à toa, o ex-presidente nutre pelo ministro um sentimento de mágoa. Gilmar, em outra ponta, costuma fazer críticas públicas ao governo e já chegou a comprar briga com militares. Ainda assim, dialoga bem com Flávio Bolsonaro, o 01, e consegue, de forma recorrente, emplacar aliados em postos estratégicos.

Conhecido pela postura “linha dura”, o quarteto formado por Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia é o núcleo mais distante do Planalto — os três primeiros, aliás, despontam como os principais desafetos de Bolsonaro no Judiciário. Moraes provoca a ira do presidente ao despachar em processos que miram a prole do capitão, assim como sua claque. Estão na lista o inquérito das fake news e o das milícias digitais, que tem, entre os alvos, Carlos e Eduardo e no qual Roberto Jefferson, presidente afastado do PTB, tende a ser condenado ainda neste mês.

Já Fachin é acusado por Bolsonaro de agir para eleger Lula, pois partiu do ministro a decisão, posteriormente referendada pelo plenário, que anulou as condenações do petista na Lava Jato. Barroso, por sua vez, entrou em rota de colisão com o presidente no ano passado, quando comandava o TSE — no discurso de despedida da Corte, o ministro fez questão de listar atitudes antidemocráticas de Bolsonaro.

Um tribunal discreto

O Supremo Tribunal Federal brasileiro poderia facilmente ser comparado a um reality show. Com transmissões ao vivo, as brigas são constantes — memorável, por exemplo, o bate-boca em que Luís Roberto Barroso classificou Gilmar Mendes como uma “mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia”. Os votos destacam-se pela extensão e pelo uso da pompa, além de recorrentes recados ao governo e ao parlamento. Os ministros, salvo exceções, gostam dos holofotes e do falatório público.

Nos Estados Unidos, a situação é distinta. A Suprema Corte norte-americana é apelidada de “mundo secreto”. No tribunal, a transmissão ou gravação das sessões é proibida por lei. A vedação estende-se às fotografias dos ministros em plenário. Os magistrados também não costumam falar à imprensa. Entende-se que uma excessiva publicidade pode comprometer a opinião pública a respeito dos juízes e contaminar processos. O trânsito político comum a ministros brasileiros, que sentam à mesa com parlamentares e o presidente da República, é quase inexistente entre os norte-americanos. Não bastasse, nos EUA os processos que tramitam na Corte são escolhidos a dedo, enquanto, no Brasil, o STF palpita sobre todos os temas de relevância nacional.

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